Fotografia: Tixa Falchetto |
O Alípio... morreu???
Como?? Assim que soube da notícia,
corri à sua casa para certificar-me dessa tragédia.
Ao lá chegar, vi umas pessoas que
nunca encontrei nas vezes em que estive com ele. Pareciam todos tão
estarrecidos quanto eu.
Ah, Alípio, o que te foi acontecer,
meu querido amigo? Que notícia devastadora!
E logo hoje, véspera do meu
aniversário, vêm-me com esta notícia... quanta tristeza! Tínhamos tantas coisas
ainda a nos dizer, Alípio! Tantos planos, tantos sonhos, tantas conversas
regadas a bom vinho, que agora, não mais acontecerão.
Lembras-te Alípio, da nossa última conversa? Estávamos
na tasquinha do José Carlos, a falar sobre o livro que pensávamos começar a
escrever…
Desde meninos, sempre ficámos horas a
contar histórias um ao outro, e as nossas conversas eram tão agradáveis, que
esqueciamo-nos da hora e os nossos pais ralhavam conosco para que entrássemos,
já passada a hora da ceia.
Éramos tão felizes quando crianças...
mas tu nunca me viste como mulher, Alípio. Sempre a tratar-me como uma
irmãzinha que eu não queria ser! Quantas vezes quis sacudir-te, bater-te,
gritar contigo, dizer que sou uma mulher e não tua irmã!!
Quantas vezes perfumei-me e vesti-me
para te encantar, e tu nem sequer olhavas para mim. Todos os poemas de amor que
escrevi, e que tu gostavas, mas rias-te, a perguntar quem era esse meu amor
secreto. Nunca me viste, Alípio. Quanta gana me dava quando rias dos meus
escritos! Por dentro, eu gritava: “És tu, tonto!!” Mas nunca tive coragem de
falar contigo às claras... porque nunca vi de ti um olhar que fosse a
incentivar-me. Tu nunca olhaste para os meus olhos, Alípio! Nunca!!
E agora, quando finalmente te estavas
a chegar mais para mim, aparece aquela rapariga a fazer-se para ti! Aquela
sujeita!! A mesma que anos atrás deixou-te a trocar os pés pelas mãos, às
vésperas do teu casamento.
Já não foi fácil aceitar que te ias
casar com outra, foi horrível ter sido convidada para madrinha do teu
casamento, mas lá fui eu, com minha máscara de impassividade e falsa alegria,
fazer as vezes de tua madrinha.
Agora que não me podes ouvir, ou
talvez possas, ninguém sabe o que se passa quando morremos... agora te posso
dizer, Alípio, posso gritar: Era eu que deveria sair daquela Igreja casada
contigo, Alípio, e nunca te perdoei por isso! Mas, não sei se por culpa do
destino, o teu casamento pouco durou. A tua mulher faleceu pouco depois, nem
sequer filhos tiveram. E tu nunca mais te casaste. E nunca eras visto com
outras mulheres. Mesmo os nossos encontros, não eram em lugares muito
frequentados. Poucas vezes vinhas à minha casa. Mas quando vinhas, sentias-te
livre e em paz, eu sei. Eu conheço-te como ninguém, Alípio! Viveste sempre
esquivo, poucos amigos tiveste. Amigos de verdade, daqueles com os quais
podemos contar nos maus momentos. Todos gostavam de ti, todos os que te
conheciam, mas não deixavas que se aproximassem demais. Vivias para as letras e
para ajudar pessoas que não conhecias. Por isso eras muito querido. Mesmo a
mim, que fui tua amiga desde a infância, impunhas uma barreira impenetrável,
cuja explicação não consigo atinar. Mas eu conheço-te, Alípio. Sei que tinhas
medo de apegar-te a alguém e correres o risco de mais uma perda. Perdeste o teu
pai ainda miúdo, aos cinco anos. Depois a tua mãe, às vesperas de fazeres
dezanove anos. Nem consigo perceber como foi que te decidiste casar com a
Almerinda, que Deus a tenha. Mas sei que tinhas em mim uma amiga, que gostavas
de passar momentos comigo, à volta dos livros, a fazer planos e imaginar novos
livros.
Ah, Alípio, não sei se te perdoo por
teres morrido à véspera dos meus anos! Não tinhas esse direito!! Isso não se
faz!!
Quantas vezes te quis esganar por não
perceberes que podias ser feliz ao meu lado!! Quantas vezes senti mesmo ódio
quando dizias que vinhas visitar-me e acabavas por esquecer-te! E quantas vezes
fiquei à espreita à porta da tua casa, às escondidas, a ver se entrava alguma
rapariga contigo, ou se saía... nunca vi nenhuma, mas se visse, nem sequer sei
o que fazia!
Devo confessar-te Alípio... muitas
vezes tive ganas de acabar contigo! Como é possível um homem tão letrado, tão
afeito à leitura de grandes romances, não ter percebido que o amor estava ao
teu lado?
Ainda esta semana perguntaste-me por
que nunca me casei. Estive a um passo de responder-te “Porque nunca me
pediste!” Mas não tive coragem... E tu foste sempre cego! Estava a pensar em
dizer-to no próximo encontro, mas vi-te a conversar com aquela malfadada
sujeita outra vez em frente ao teu escritório.
Alípio. Vou-te ser franca, muito
franca!! Se não tivesses morrido, matava-te eu!
Tixa
Falchetto
Que biolência, carago :)))
ResponderEliminar😂😂😂😂
ResponderEliminarcastigo do destino? um Alípio tão distraído?!
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