23/07/22

O Alípio Morreu - Capítulo 5

 


Alípio, Alípio, que raiva te tenho neste momento! Como é que foste deixar que te fizessem isto? Dizias que tinhas a situação sob controle, que ninguém desconfiava do que realmente te movia, blá, blá, blá e afinal…

Eu bem te avisei, que havia quem não se deixasse iludir pela tua fachada de filantropo, benfeitor e alma nobre, mas tu achavas que desses não vinha perigo algum. Que eram uns covardes, dizias com desdém. O teu ego gigante nunca te deixou ver muito para além do teu próprio umbigo. Confesso que sempre tive medo que fosse essa tua característica que deitasse tudo a perder. Mas, enfim, a esperança de que isso não acontecesse era maior.  

E agora, como fica o nosso plano? Tanto tempo investido para que o resultado fosse perfeito e no fim tudo se esfuma. Plaf… que desilusão, Alípio!

Mas quem terá sido que teve a ousadia? Pela minha perspectiva, serão pouco mais de meia dúzia aqueles que seriam mesmo capazes, mas sei lá… às vezes, a humilhação e injustiça recalcadas durante anos a fio podem levar a actos momentâneos de superior audácia.

Aquela tua secretária não foi, com certeza. É uma tola, coitada. Nem sequer percebeu que o homem da pasta preta que te visitava não era um homem, era uma mulher: eu! Que vontade tinha de me rir, quando cheia de salamaleques ela recebia o senhor António e depois desaparecia, por ordem tua. Bem lhe via nos olhos o desejo de ficar a escutar atrás da porta. Mas não o fazia, era-te fiel. Foi por esse comportamento que percebi a razão da tua escolha para o local dos nossos encontros. Era assim seguro e insuspeito, como tinha de ser. Pois, aquela pasta preta, a qualquer momento, poderia transportar o próximo nobel português da literatura. Escolhido entre os manuscritos que eu ia recebendo sob a capa de uma editora de fachada e te levava, no maior dos secretismos. Tu tinhas a certeza de que mais dia menos dia encontrarias a tal obra, entre os projectos dos ingénuos sonhadores que eram enviados à editora. E para isso tinhas olho! Nem poderia ser de outra maneira. Se assim não fosse nunca teria aceitado a proposta para constituirmos uma aliança.

E que grandiosa aliança! Tu saltarias para as luzes da ribalta e eu rechearia os bolsos.

Mas continuando na busca pelos culpados… ou culpadas, porque me parece serem mais as mulheres do que os homens a terem razões para executar a proeza. E nem sequer é por motivos passionais. Bem, a não ser aquela que toda a vida foi apaixonada por ti. Sempre tão amiga, tão companheira, tão solícita a apoiar-te nos momentos difíceis e a festejar contigo as tuas conquistas, mesmo que dúbias. Debaixo desse véu, havia uma aura de despeito. Só não via quem não queria.

Porém, a outra, antiga namoradinha de liceu a quem roubaste o trabalho, aliás, um dos teus maiores êxitos, também não é de descartar. Até porque não foi só o trabalho que lhe roubaste, como tu bem sabes.

E há ainda a outra, que tomou as dores do irmão. Como nós sabemos, exacerba-se a revolta quando as injustiças recaem sobre aqueles que amamos. Ainda mais, quando estes teimam em não reagir.

No entanto, é sobre a primeira que recai a minha maior suspeita. Claro que por tudo o que nós sabemos não me vou manifestar. A polícia que faça o seu trabalho. E se não fizer, ainda melhor. Não creio que haja indícios que me possam implicar no que quer que seja, mas nunca fiando.

Mas, Alípio, porque é que deixaste que te fizessem isto? Sinto-me traída!

 

                                                                            Luísa Vaz Tavares

 

2 comentários:

  1. O Alípio era um encanto de pessoa.
    Faltava … algum defeito???
    Boa semana

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  2. Luisa, Luisa, se sobre mim recai a tua maior suspeita, é que entendeste mesmo o que esse homem sem caracter fez-me sentir a vida inteira!! O Alípio foi imperdoável!! :))

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