Alípio, Alípio, que raiva te tenho neste
momento! Como é que foste deixar que te fizessem isto? Dizias que tinhas a situação
sob controle, que ninguém desconfiava do que realmente te movia, blá, blá, blá
e afinal…
Eu bem te avisei, que havia quem não se deixasse
iludir pela tua fachada de filantropo, benfeitor e alma nobre, mas tu achavas
que desses não vinha perigo algum. Que eram uns covardes, dizias com desdém. O
teu ego gigante nunca te deixou ver muito para além do teu próprio umbigo. Confesso
que sempre tive medo que fosse essa tua característica que deitasse tudo a
perder. Mas, enfim, a esperança de que isso não acontecesse era maior.
E agora, como fica o nosso plano? Tanto
tempo investido para que o resultado fosse perfeito e no fim tudo se esfuma. Plaf…
que desilusão, Alípio!
Mas quem terá sido que teve a ousadia? Pela
minha perspectiva, serão pouco mais de meia dúzia aqueles que seriam mesmo capazes,
mas sei lá… às vezes, a humilhação e injustiça recalcadas durante anos a fio
podem levar a actos momentâneos de superior audácia.
Aquela tua secretária não foi, com certeza.
É uma tola, coitada. Nem sequer percebeu que o homem da pasta preta que te visitava
não era um homem, era uma mulher: eu! Que vontade tinha de me rir, quando cheia
de salamaleques ela recebia o senhor António e depois desaparecia, por ordem
tua. Bem lhe via nos olhos o desejo de ficar a escutar atrás da porta. Mas não
o fazia, era-te fiel. Foi por esse comportamento que percebi a razão da tua escolha
para o local dos nossos encontros. Era assim seguro e insuspeito, como tinha de
ser. Pois, aquela pasta preta, a qualquer momento, poderia transportar o próximo
nobel português da literatura. Escolhido entre os manuscritos que eu ia recebendo
sob a capa de uma editora de fachada e te levava, no maior dos secretismos. Tu
tinhas a certeza de que mais dia menos dia encontrarias a tal obra, entre os projectos
dos ingénuos sonhadores que eram enviados à editora. E para isso tinhas olho! Nem
poderia ser de outra maneira. Se assim não fosse nunca teria aceitado a proposta
para constituirmos uma aliança.
E que grandiosa aliança! Tu saltarias para
as luzes da ribalta e eu rechearia os bolsos.
Mas continuando na busca pelos culpados… ou
culpadas, porque me parece serem mais as mulheres do que os homens a terem razões
para executar a proeza. E nem sequer é por motivos passionais. Bem, a não ser
aquela que toda a vida foi apaixonada por ti. Sempre tão amiga, tão companheira,
tão solícita a apoiar-te nos momentos difíceis e a festejar contigo as tuas
conquistas, mesmo que dúbias. Debaixo desse véu, havia uma aura de despeito. Só
não via quem não queria.
Porém, a outra, antiga namoradinha de
liceu a quem roubaste o trabalho, aliás, um dos teus maiores êxitos, também não
é de descartar. Até porque não foi só o trabalho que lhe roubaste, como tu bem
sabes.
E há ainda a outra, que tomou as dores do
irmão. Como nós sabemos, exacerba-se a revolta quando as injustiças recaem
sobre aqueles que amamos. Ainda mais, quando estes teimam em não reagir.
No entanto, é sobre a primeira que recai a
minha maior suspeita. Claro que por tudo o que nós sabemos não me vou manifestar.
A polícia que faça o seu trabalho. E se não fizer, ainda melhor. Não creio que haja
indícios que me possam implicar no que quer que seja, mas nunca fiando.
Mas, Alípio, porque é que deixaste que te
fizessem isto? Sinto-me traída!
Luísa
Vaz Tavares
O Alípio era um encanto de pessoa.
ResponderEliminarFaltava … algum defeito???
Boa semana
Luisa, Luisa, se sobre mim recai a tua maior suspeita, é que entendeste mesmo o que esse homem sem caracter fez-me sentir a vida inteira!! O Alípio foi imperdoável!! :))
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