05/08/22

O Alípio Morreu - Capítulo 7

 

Fotografia: José Bessa

- E tens a certeza de que é ela?

- Por muito tempo duvidei. Era o sr. António, o fugidio, mas há algum tempo que tenho a certeza.

- Enganada, mas sócia; hein? Viste papeis, ouviste conversas?

- Tenho a chave da secretária, ele não sabe; e só depois de muita insistência do pai, de muitos pedidos para que o levasse à razão e a uma conversa é que, por um breve acaso, consegui fazer uma cópia.

- O pai anda muito preocupado. E triste, principalmente triste.

- Eu também…

- Talvez o leve à morte sabes? Esse pseudoescritor deve-lhe tudo, e vai levar-lhe tudo…

- Mas o pai também ganhou uma fortuna com ele!

- E tu sempre a defendê-lo!

- Se tu soubesses…

- E ele, sabe?

- Como assim?

- Mas pensas que nós somos parvos? Não me digas… não me digas que ele…

- …

- Não me digas que ele não sabe?...

- …

- Não valem de nada esses teus silêncios, menina. Todo o mundo duvida e até acham graça ao tratamento por “tio padrinho”. Tendes cá uma imaginação…

- Não. Ele não sabe e creio que nem duvide…

- Pois olha, o pai disse-me há muitos anos que tinha a certeza e até compreendia.

- Foi por isso que o ajudou?

- Talvez… mas o pai gosta muito de dinheiro e aquele impante era um filão promissor. E tu és a filhinha querida. A ligação perfeita.

- Nunca gostaste dele…

- Detesto vaidosos! Principalmente vaidosos simpáticos. São perigosos. Agradáveis sedutores que levam as pessoas pelos sorrisos, gentilezas untosas, uns salamaleques aqui, a florzinha oportuna acolá, a frase calculada e depois: Ah!... não me diga…

- Oh.

- Sim, sim… vais ver que, se não houver mais novidades vai ser ele a matar o pai e não a velhice. O pai está derrubado, sabes?... E, antes de mais, é uma ingratidão. Sabemos pelos nossos meios que estão a ser combinados contratos de exclusividade com outro editor.

- E o pai?... Que diz?

- O que pode fazer o pai, iluminas-me?

- Consegues fotocópias dos papeis? Há mais negócios pelo meio.

- Mas tu pensas o quê de mim?! Eu não sou nenhuma traidora. Ele ajudou-me quando eu mais precisava, não vou esquecer isso.

- Ora essa! Quando mais tinha obrigação para isso!

- Deixá-lo…

- Para mais… não te entendo. Ele está a trair o pai, depois de ter traído antes uns quantos e uma quantas, e tu…

- …

- Sabes que temos uma gravação com ameaças de tribunal sobre um plágio flagrante, que lhe arruinará a carreira e levará o pai ao descrédito como editor?

- De quem?

- Isso não vem para o caso, inimigas tem ele. Pensa como vais poder fotocopiar ou fotografar os documentos dessa gaveta. É muito importante a urgência. Não me faças vir aqui rebentar com a gaveta, ou até, com ele…

- Tu não me assustes!

- Não te esqueças que é ao pai, e a ti, que esse faz-figura deve a fama internacional e a fortuna. Com o que tu escondes, e com o que o pai ganha com isso. Vocês são pai e mãe de uma aldrabice internacional que vos vai cair no regaço não tarda. E eu também me desgraço com isso, não te esqueças! Se fosse com estranhos e eu de fora, até achava graça…

- Estou tão a leste… nem imaginas. Sempre confiei não me intrometendo em nada. As pessoas pensam que uma secretária pessoal com tantos anos de serviço é dona de todos os segredos, que tem obrigação de saber; e isso nem na intimidade acontece. O que se passa e tão grave afinal?...

- Isso não conversas para ter ao telefone.

- …

- Depois de amanhã estou de piquete durante a noite. Saio antes das nove da manhã e encontro-me contigo no café antes de entrares. Marca um encontro com ele para a primeira hora. Diz-lhe ao que venho e que tenha calma. Estou capaz de dar cabo dele.

 

 

- Bom dia…

- Faça favor.

- Fui chamado pelo agente Adolfo…

- …

- Entre! Sente-se.

- Bom dia…

- Já ouviu falar no senhor Alípio Belmonte?

- Ouvi, sim senhor…

- Pois ouviu… pois ouviu… então ponha cá para fora tudo o que sabe dele e da sua relação consigo.

- Não entendo…

- Chefe! Não faça de mim parvo. Da figura pública já todos sabemos, cheira que tresanda e é assunto conhecido, já da sua relação com ele… seu cunhado? Posso referir-me assim?

- Cunhado, não!

- Ah… acordou… então conte lá… conte que eu tenho tempo…

- Sei pouco dele de facto, além de ser patrão da minha irmã, e de o meu pai ser o seu editor de sempre, pouco mais.

- E de ser pai da sua sobrinha…

- Quem lhe disse semelhante?

- Aqui, quem faz perguntas sou eu.

- E de estar metido em negócios proibidos, tráfico de direitos de autor, acções, offshores.

- Também não sei de nada disso…

- E de ter revogado a colaboração com o seu pai, unilateralmente e com justa causa: por incumprimento e incompetência…

- Isso do incumprimento e incompetência é falso.

- E por isso ter arruinado o seu pai, e a si, uma vez que tinham investimentos conjuntos que estão agora insolventes…

- …

- E que sabe você de um envelope, há testemunhas!, que foi retirado do bolso do cadáver enquanto você fotografava, de onde saíram também umas chaves que foram disfarçadamente arrastadas para perto da mão? Também não sabe de nada nem nunca ouviu falar?...

- …

- E já agora… porque carga d’água é que foi logo você, com outro colega repórter de serviço, a ir sozinho ao local tomar conta da notícia de uma pessoa, pública é certo, mas de uma pessoa de que sabe pouco de facto, além de ser patrão da sua irmã, e do seu pai ser o editor, e nhã-nhã-nhã… nhã-nhã-nhã… Quer dizer alguma coisinha sobre esse grande acaso, ou temos de ir ao juiz?...

 

José Bessa

 

4 comentários:

  1. Estou a escrever algo muito parecido! Coincidência? Ou alguma coisinha, Hâ?

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    1. Quando se alinham as estrelas, que esperar senão o mais luminoso?... :)
      Grato por ler.

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  2. Esse Alípio tina alguma qualidade???
    Boa semana

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